Finalmente em Casa


Todos os dias eu e minha fiel parceira de mar, Sueide Kintê mergulhávamos e andávamos de bicicleta na nova Orla da Barra de Netinho. Ficávamos como umas molecas entre a garotada que sempre estava lá alimentando-nos com suas histórias de vida, mal de jornalista .
A mais nova era uma menina de apenas 12 anos, mas passava longe do fenótipo de garota, que apesar da cueca e do bermudão, os seios enormes á denunciavam. Um ano mais velha à segunda menina não podia voltar mais para o bairro, reza a lenda que ela mexeu com a filha de um traficante e sua cabeça tão jovem já estava a prêmio.

O “cabeludo” sonhava em morar na Suíça, o mais baixinho dos meninos queria ser pedreiro como o pai, o de 18 anos que era mais esperto, mais parecia ter saído de um livro de Jorge Amado,observava mais do que falava. O outro era questionado sobre sua sexualidade, um deles tinha tomado nove tiros e seu colega já havia passado por centro de recuperação algumas vezes. Histórias que distanciavam bastante dos programas juvenis, novelinhas teens e que destoavam do cenário turístico da Barra.
Em Novembro de 2013 levei o grupo todo ao cinema pra assistir Trampolim do Forte de João Rodrigo Mattos, a tentativa foi falida porque o filme já não estava em cartaz, mas a experiência racista foi um sucesso, acuados pelos olhares e as bolsas unidas ao corpo tomaram o ambiente do cinema cult Glauber Rocha que a princípio deveria ser um espaço coletivo...sqn!
No outro dia tive uma surpresa, na volta para o porto eles foram abordados por policiais que colocaram o grupo no camburão e levou para um terreno baldio, lembro-me de um deles relatando o caso rindo, como se aquilo já fizesse parte da realidade e pior.....fazia. “Oxi! Deram foi a porrada, as meninas chorando rs.” Ali poderia ter sido a ultima vez que falei com eles, mas não foi.

Recebi um convite para trabalhar em outra cidade, foi tudo tão rápido que não pude despedir-me do grupo, mas na primeira oportunidade que tive fiz uma visita ao Porto da Barra. Era uma mistura de saudade do mar com saudade da garotada, mas para minha surpresa não encontrei ninguém, nenhum deles e quando perguntei a um ambulante “cadê os meninos?”.
Para minha surpresa a resposta foi: “ Ou tá morto ou estar preso...sumiu”. Sai de lá com esse estranhamento e o coração apertado, preferi acreditar que era mentira e que eles saíram das ruas, estavam com suas famílias e voltado a estudar.

Mas não foi bem assim, duas semanas depois tive a confirmação que no mínimo quatro dos jovens haviam sido assassinados, as meninas estão em casas de “acolhimento”, aquele nem tão esperto está perambulando pelas ruas usando craque, alguns “desaparecidos” provavelmente enterrados como indigentes e o cabeludo na Suiça (ufa!).  Agora sim eles finalmente estão em casa, residem nos dados estatísticos e no mapa da violência. 

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